terça-feira, 5 de março de 2019

O "Paciente de Londres" - Será a cura da AIDS?

Neste dia 6 de março de 2019, noticiários do mundo todo anunciaram que um paciente foi curado do HIV após um transplante de células-tronco. Isso é bastante animador, mas não, não significa que encontramos a cura da AIDS. Não em larga escala. Difícil de entender? Aí vai o motivo:
O "paciente de Londres" (como tem sido chamado pela mídia internacional) era portador do HIV desde 2003 e começou a receber terapia antirretroviral em 2012 (nessa época a TARV ainda não era indicada para todos; apenas para quem tinha uma contagem de linfócitos T CD4 menor que 350, ou 500 por decilitro de sangue). Acontece que pouco tempo depois ele foi diagnosticado com um linfoma de Hodgkin em estágio avançado, e precisou de sessões de quimioterapia e, depois disso, ainda passou por dois transplantes de medula óssea.
Transplantes de medula óssea são uma coisa bizarra quando paramos para pensar sobre o que são de verdade. Uma quimioterapia extermina praticamente todas as células da medula óssea do indivíduo, que depois é reposta por células do doador. Importante: doador e receptor devem ser compatíveis (daí os apelos constantes para que pessoas se tornem doadoras de medula óssea - quanto mais gente for doadora em potencial, maior a chance de se encontrar alguém compatível com o possível receptor, ou seja, a pessoa que precisa do transplante). Por sorte, foi encontrado um doador que, além de compatível, tinha uma mutação bastante específica em um de seus genes. O gene da proteína de superfície CCR5, que o HIV utiliza para invadir as células do sistema imunológico e se abrigar no hospedeiro.
Toda célula do corpo é revestida por proteínas de superfície, que servem para inúmeras funções. Algumas servem como ancoradouro para outras células, outras como portas de entrada e saída por onde substâncias entram e saem da célula. A proteína CCR5 é um receptor de citocina, presente em algumas células do sistema imunológico. O que ela faz é, com uma extremidade para fora da membrana plasmática e outra para dentro, tal qual um prego que atravessa um pedaço de madeira, receber um sinal externo de um tipo de hormônio chamado citocina. Uma vez tendo recebido esse sinal pela sua extremidade externa (a cabeça do prego, para fora da célula), ela sinaliza com a parte interna (a ponta) que as proteínas do interior da célula devem realizar alguma função específica - multiplicar-se, ou mover-se até o local onde a célula está sendo requerida. Só que, por acaso, é justamente essa proteína em formato de prego que o HIV usa para se ligar e se fixar à célula-alvo, no caso o linfócito T ou (de forma menos importante) outra célula do sistema imunológico, como o macrófago ou a célula dendrítica.
Pois bem. O indivíduo que doou sua medula tinha uma mutação no gene que codificava a proteína CCR5. Sua proteína tinha um formato diferente, que o HIV era incapaz de reconhecer e, portanto, conseguir se ligar. Sem conseguir se ligar, ele não penetraria na célula. Sem penetrar, jamais a infectaria. Ou seja, o indivíduo que doou a medula óssea era imune ao HIV, e jamais contrairia a doença nem se fosse exposto ao vírus um milhão de vezes. Uma pequena porção de sua medula óssea foi extraída (provavelmente do osso da bacia, mais fácil de ser acessado pela agulha), e preparada em laboratório para ser injetada no receptor, que havia acabado de passar por uma quimioterapia extremamente potente que havia eliminado praticamente todas as células de sua medula óssea. Isso incluía as células neoplásicas do seu linfoma de Hodgkin, e também os linfócitos T e outras células do sistema imunológico capazes de abrigar o HIV. Vazia, a medula óssea do receptor foi colonizada com novas células, livres do vírus e incapazes de ser invadidas por ele. Isso ocorreu em 2016, e desde então o paciente passou 18 meses sem tomar seus antirretrovirais e todos os testes para detectar o HIV no seu sangue deram negativo de lá para cá.
Parece bastante simples, até ficar claro que não é. Essa foi a segunda vez que o procedimento deu certo em um paciente HIV que, além de curado do linfoma, também ficou livre da AIDS. O primeiro caso foi em Berlim, há mais de 10 anos, envolvendo um paciente dos EUA que tinha HIV e leucemia mieloide aguda. Várias outras tentativas foram realizadas de lá para cá em transplantados de medula óssea, sem sucesso. Em 2013, uma criança de 2 anos nos EUA recebeu antirretrovirais por 18 meses após o nascimento e, sem passar por transplante de medula óssea, chegou a ficar 27 meses sem vírus circulando no sangue, até que - para frustração geral - ele voltou a aparecer.
Além disso, existe o risco inerente ao procedimento. E isso não é pouco. O paciente receptor tem sua medula óssea pulverizada por quimioterapia e, durante dias ou semanas, não tem virtualmente nenhuma célula de defesa circulando no sangue, pelo menos até que as células do doador comecem a colonizar a medula óssea e a se multiplicar. Nesse período, qualquer infecção bacteriana, fúngica ou mesmo viral pode ser fatal. Mesmo em pacientes com leucemias ou linfomas agressivos e que não possuem HIV esse é um procedimento extremamente arriscado, que não pode ser feito sem que uma série de precauções sejam tomadas de antemão - incluindo, obviamente, que qualquer foco infeccioso prévio seja controlado com antibióticos. Ainda assim, a mortalidade é bastante elevada. Ou seja, não é algo simples e que qualquer pessoa pode fazer. Exige leitos de hospital com isolamento e serviços adequados, incluindo um filtro poderoso que impeça partículas de mofo de circular no ar respirado pelo paciente (fungos do gênero Aspergillus, que estão em todos os cantos, podem destruir os pulmões de pessoas sem defesas imunológicas adequadas). E mesmo que todas as precauções sejam tomadas, as coisas ainda podem dar muito errado. Medicina não é Matemática, onde 2+2 é sempre 4. Pessoas com HIV que estão em boa saúde, aderentes ao tratamento ainda que seja um incômodo tomar a medicação todos os dias, deveriam saber de todos esses riscos antes de se submeter a um procedimento de tal magnitude e que tem grandes chances de não dar certo (repito, funcionou apenas duas vezes dentre diversas tentativas) e boas chances de dar muito errado. Em resumo: não é algo que pode ser aplicado para todos os cerca de 37 milhões de indivíduos vivendo com HIV no mundo. 
Ou seja, essa não será a cura da AIDS. Não para a grande maioria das pessoas que não têm, além do vírus, uma neoplasia sanguínea que exija um transplante de medula óssea.
Ainda assim, essa é uma boa notícia. Ao estudar por que esse segundo caso de sucesso e o primeiro deram certo, em contraste com os que deram errado, podemos elucidar melhor quais os fatores que podem impedir que o HIV se multiplique nas células hospedeiras, ou quem sabe desenvolver métodos para que as células infectadas sejam reconhecidas e mortas, eliminando o vírus com elas. Com o avanço de técnicas de biologia molecular como edição genética por sequências palindrômicas (CRISPR), em um futuro não muito distante será possível editar genes, retirando sequências indesejadas (digamos, o gene CCR5 selvagem) e substituindo-as por sequências vantajosas (por exemplo, o CCR5 mutante, imune ao HIV). Essa seria uma forma muito mais segura de alterar o código genético, sem varrer as células de defesa do organismo e deixar o indivíduo vulnerável a infecções. Parece ficção científica, e de certa forma é, mas em alguns anos pode ser que não seja mais.
Segue abaixo um vídeo de um canal que eu adoro chamado Kurzgesagt, elucidando o que é a edição genética CRISPR (em inglês, mas é possível ativar legendas).


Como muitos infectologistas, eu comemoro a notícia do "paciente de Londres" com reservas. É uma boa notícia, mas ainda não é a cura. E existe o temor de que alguns indivíduos com HIV alimentem esperanças infundadas de cura utilizando esse método ou (pior ainda) deixem de tomar seus antirretrovirais por acreditar que já chegamos à cura. Não chegamos lá ainda, mas esse é mais um passo para entendermos a doença e como será possível curá-la no futuro.

2 comentários:

  1. Texto incrível e muito elucidativo!
    Ótimo para os leigos colocarem os pés no chão também!
    You rock!

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  2. Olá, sou Joyna Goerge pelo nome, QUERO COMPARTILHAR A MINHA EXPERIÊNCIA DE COMO EU FUI CURADO DO HIV POR MEDICINA HERBAL. Pode soar
    estranho! Nos últimos 5 anos, gastei muito dinheiro na compra de medicamentos anti-retrovirais para fortalecer meu sistema imunológico
    sistema e mantenha-me saudável, até que eu leia um artigo na internet sobre um Herbalist da África que usa ervas e raízes para
    curar o HIV e todo tipo de doenças. Penso que eu nunca acreditei que ele pode curar o HIV, mas eu decidi fazer uma tentativa porque eu estava
    desesperado. Então enviei uma mensagem ao ele no seu e-mail DR.ABUYAHERBALCURE@GMAIL.COM Ele preparou medicamentos fitoterápicos e
    envie-me através do DHL COURIER SERVICE e eu tomei como ele instruiu. 11 dias depois, fui ao hospital para fazer um
    checar-up, o resultado saiu e testei NEGATIVO. Estou compartilhando isso com você, porque acredito que há alguém lá fora
    que também desejam ter essa cura. sinta-se à vontade para enviar uma mensagem para ele em seu email DR.ABUYAHERBALCURE@GMAIL.COM ou ligue,
    E TAMBÉM CHAT COM HIN ATRAVÉS DE VIA IMO CHAT OU WHATSAPP +2347039225049 e estou certo de que ele estará disposto a ajudá-lo e você
    também terá um testemunho para compartilhar. informe as outras vítimas sobre isso.

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