segunda-feira, 1 de julho de 2019

Nomes


Dar nomes às coisas é algo que a espécie humana tem feito desde muito antes do início das civilizações. Nomes carregam significado, e ajudam a explicar a origem, ou pelo menos a origem mitológica, daquilo que é nomeado. Todas as culturas humanas tinham nomes para aquilo que lhes era mais familiar: plantas, animais, montanhas, lagos, mares, o fogo, a chuva, a neve. E nesse grupo estavam também os corpos celestes. Não apenas o Sol e a Lua, adorados como entidades divinas por seu poder sobre os ciclos de dias e noites, estações do ano e marés. Os outros corpos celestes também tinham uma participação muito importante na vida das pessoas até que a modernidade ofuscasse o céu noturno com suas lâmpadas a gás ou a luz elétrica, e as pessoas se tornassem ocupadas demais para olhar para cima. As estrelas recebiam nomes individuais, e cada cultura enxergava suas próprias figuras e seus próprios padrões nos aglomerados de pontos brilhantes que viam no céu. 
Aqueles pontos que pareciam se mover com o passar dos dias e dos meses, que mais tarde se revelariam planetas, tinham nomes e significados especiais para as culturas que os batizavam. O planeta mais brilhante, que anunciava a aurora, era Inanna para os sumérios, Qi-ming para os chineses, Vênus para os romanos. O avermelhado, da cor do fogo ou do sangue, era Nirgal para os sumérios, Kasei para os japoneses, Marte para os romanos. Aquele que parecia ter o movimento mais rápido por entre as estrelas era Nabu para os babilônios, Budha para os hindus, Odin para os nórdicos, Mercúrio para os romanos. 
Quando os corpos celestes começaram a ser observados com mais detalhes, graças às lunetas e aos telescópios, as pessoas não tardaram a dar nomes àqueles acidentes geográficos, inevitavelmente comparando-os aos que existiam no único mundo que conheciam. As manchas escuras na Lua só podiam ser mares, imaginaram elas, e assim foram batizadas: Mare Serenitatis, Mare Tranquillitatis, Mare Imbrium, Oceanus Procellarum... As áreas mais claras, em contraste, eram continentes: Terra Vitae, Terra Sterilitatis, Terra Fertilitatis... As muitas crateras que pontilhavam a superfície lunar foram batizadas em homenagem a ilustres astrônomos, muitos dos quais estudaram a fundo a superfície lunar: Tycho, Kepler, Copérnico, Aristarco, Grimaldi, Riccioli. O mesmo aconteceu com Marte: toda a sua superfície havia sido mapeada e batizada com uma miríade de nomes pouco tempo após existirem telescópios apontados para aquele mundo vermelho e vizinho da Terra. O Monte Olimpo e os Montes Tharsis, Chryse Planitia, Arabia Terra, Hellas Montes, Vastitas Borealis, Acidalia Planitia, Vale Marineris... Mesmo uma rede de canais que existia apenas na mente fértil de observadores como Giovanni Schiaparelli e Percival Lowell tinha seus próprios nomes. 
Quando as lentes dos telescópios foram apontadas para Mercúrio, cada uma das crateras visíveis recebeu o nome de alguma ilustre personalidade da Terra: Shakespeare, Goethe, Tólstoi, Rembrandt, Hesíodo, Camões, Brunelleschi, Beethoven... Ganímedes, Europa, Callisto e Io, as quatro luas galileanas, assim chamadas por ter sido observadas orbitando Júpiter pela primeira vez através de uma lente por Galileu Galilei, receberam nomes de amantes de Zeus, o equivalente de Júpiter na mitologia grega. A descoberta de um novo planeta no Sistema Solar sempre vinha acompanhada de referências à mitologia e à cultura de cada época. Quando o primeiro deles foi descoberto por William Herschel em 1781, recebeu após muito debate o nome de Urano, pai do titã Saturno na mitologia romana, que por sua vez era pai de Júpiter. Herschel queria dar ao novo planeta o nome de George, em homenagem ao rei da Inglaterra mas destoando completamente do resto dos nomes dos planetas. Mas Urano não ficou livre da influência de nomes britânicos, porque suas luas – Titânia, Oberon, Ariel, Umbriel, Miranda – receberam nomes de personagens das obras de Wiliam Shakespeare e Alexander Pope. 
Em 1846 um novo planeta foi descoberto, e o seu nome não poderia ser mais apropriado: Netuno, o equivalente romano de Poseidon, deus dos mares, tão azuis quanto a superfície do planeta recém-descoberto. Suas luas foram batizadas em referência a entidades mitológicas greco-romanas associadas ao mar – Tritão, Nereida, Proteus, Talassa... O planeta-anão Ceres, o maior dos objetos no cinturão de asteroides entre Marte e Júpiter, foi assim batizado graças à deusa romana da agricultura, e suas crateras têm nomes de divindades ligadas à agricultura, à chuva e à fertilidade de diversas culturas ao redor do mundo. 
Em 1930, quando se descobriu um novo e pequeno corpo celeste para além da órbita de Netuno, ele recebeu o nome do deus romano do mundo dos mortos, Plutão, equivalente a Hades na mitologia grega. Sua lua, quase tão grande quanto o planeta em torno do qual orbitava, foi batizada como Caronte, o barqueiro que conduzia as almas ao mundo dos mortos. No início do século XX, após ter sido rebaixado a planeta-anão, uma sonda foi enviada para estudar Plutão e quatro novas luas foram descobertas, todas apropriadamente batizadas com referência a entidades do mundo dos mortos: Cérbero, Hidra, Styx e Nix. As montanhas, crateras e outras formações na superfície de Plutão foram batizadas com nomes de exploradores, como as escarpas de Costeau, Leif Eriksson e Piri Reis e os montes Zheng He, ou espaçonaves como a Planície Sputnik, as Terras Voyager, Pioneer e Venera, e as Soyuz, Columbia e Challenger Colles. Entidades da ficção e da mitologia que viviam ou já visitaram o escuro mundo dos mortos também foram homenageadas, como Dionísio e Xanthias, Virgílio e Beatriz, Sleipnir, Cthulhu, Balrog e Morgoth. 
E por fim, quando a superfície de Caronte foi revelada pela mesma sonda que visitou Plutão, os cientistas também batizaram os muitos acidentes geográficos de acordo com referências mitológicas. No caso, da mitologia do século XX. Dessa forma, Caronte tinha a partir de então em sua superfície a Terra de Oz, a Mácula de Mordor, os montes Clarke e Kubrick, o planalto Vulcan, os chasmas Tardis e Nostromo, e as crateras Nemo, Alice, Kirk, Spock, Ripley, Skywalker, Organa e Vader.

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